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Covid-19: Um Teste às Smart Cities?

Mar 17, 2020

​Perante a emergência sem precedentes que representa a COVID 19, estarão as smart cities – as cidades e vilas com estratégias efetivas de inteligência urbana – mais preparadas do que as outras para fazer face aos desafios do futuro?

A ideia da Cidade Inteligente é muitas vezes difusa e excessivamente focada na tecnologia. Porém, existe hoje um consenso generalizado quanto à necessidade de um equilíbrio entre usar o potencial da transformação digital e garantir a qualidade de vida das pessoas, sem descurar a essencial sustentabilidade.

Uma definição possível é a da UNECE, que vê a Smart Sustainable City como “uma cidade inovadora que utiliza tecnologias de informação e comunicação, bem como outros meios, para melhorar a qualidade de vida, a eficiência das operações e serviços urbanos e a competitividade, garantindo simultaneamente que responde às necessidades das gerações presentes e futuras no que concerne aspetos económicos, sociais, ambientais e culturais”. A definição está em linha com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 11 da ONU “Cidades e Comunidades Sustentáveis”, baseado na sustentabilidade, inclusão, resiliência e segurança. Estes fatores ganham hoje uma relevância acrescida perante a pandemia que vivemos.

Veja-se o caminho percorrido pelas cidades: com processos evolutivos de transformação digital que vão impactando as várias esferas de intervenção da governação local, iniciando-se pela digitalização dos processos internos, seguida da desmaterialização da interação com o cidadão recorrendo aos serviços online, até chegarmos à cidade como plataforma onde mudamos o paradigma global de planeamento e gestão da mesma. Nesta cidade como plataforma, alavancados pela capacidade de “sensorizar” tudo e todos e tirando partido da ciência dos dados e da inteligência artificial, procuramos explicar o que aconteceu, prever o que vai acontecer e prescrever as melhores decisões a tomar.

Analisemos, assim, a capacidade da cidade inteligente para enfrentar a emergência, em três dimensões:

  1. Prevenção

Se a cidade tirou partido da transformação digital para percorrer as etapas iniciais  da digitalização de processos internos e desmaterialização da interação com a cidade e o cidadão, terá hoje assegurado a capacidade de garantir o seu funcionamento, quer na gestão de serviços e infraestruturas, quer na prestação de serviços a que recorremos no quotidiano, mesmo que os trabalhadores estejam em regime de teletrabalho e os balcões de atendimento ao público encerrados.

No entanto, apesar do esforço significativo a que temos assistido por parte da administração central e local, ainda temos um longo caminho a percorrer, pois, em última análise, ainda são escassos os serviços a que podemos recorrer sem necessidade de deslocação e interação física com o prestador do serviço (não posso deixar de referir as notícias de filas significativas nas Lojas do Cidadão, com as entradas limitadas por razões de segurança, não tendo sido foi acautelada a possibilidade de acesso e/ou agendamento online).

Numa crise como a atual, o risco de contágio passa pela manutenção de uma distância de segurança, pelo que também os métodos de pagamento “contactless” terão de generalizar-se, eliminando-se o uso de dinheiro, bem como minimizando a utilização de leitores de cartões de crédito/débito com a necessidade de contacto físico.

  1. Gestão

Na gestão dos serviços e infraestruturas, importa referir a relevância do acesso a dados do comportamento individual. Nesta matéria, se a utilização dos mesmos não obedecer a rigorosos padrões de segurança e utilização ética, pode abrir-se a perigosa porta para a sociedade antecipada por Orwell no seu livro 1984. É, contudo, inquestionável a possibilidade de tirar partido da “sensorização” da cidade, nomeadamente dos dados pessoais, para melhor gerir este momento de crise. Entre os casos do potencial que temos ao dispor podemos referir:

  • As plataformas de inteligência urbana permitem a monitorização do acesso a infraestruturas e serviços para gerir a cidade e até mesmo reduzir ajuntamentos de pessoas pela utilização em tempo real dos registos de validação de títulos dos transportes públicos, da utilização de sinais de telemóvel ou de qualquer outro mecanismo de contagem;
  • Utilização de telemóveis na monitorização da localização de cidadãos em quarentena (e intervir caso não se mantenham em isolamento), conforme já foi noticiado estar a acontecer na China e na Coreia do Sul, onde os cidadãos em quarentena são seguidos através pelos telemóveis, permitindo monitorizar-se o cumprimento das regras estabelecidas;
  • Análise de registos de transações de cartões de crédito e imagens de câmaras de segurança de infetados com o vírus para recriar os seus movimentos e identificar interações anteriores, como foi feito na Coreia do Sul.
  1. Previsão

Por último – e, talvez, mais ambicioso e desafiante –, será que, com a atual capacidade de recolha de dados e o poder de computação que temos ao nosso dispor, somos capazes de tirar partido da ciência dos dados e da inteligência artificial para antecipar o desenvolvimento da pandemia?

Para tal acontecer, é indispensável estarem reunidas duas condições: 1) a libertação dos dados; e 2) a utilização da inteligência coletiva numa abordagem de cocriação aberta.

A segunda condição está garantida, conforme demonstra o movimento Tech4COVID19, criado por fundadores de startups portuguesas, que já junta mais de 120 empresa e mais de 600 pessoas de vários sectores para ajudar o país na luta contra o vírus.

Quanto aos dados abertos, existindo já inúmeros exemplos à escala global da sua utilização, com é o caso do “coronavirus tracking map”, produzido pela Universidade Johns Hopkins (também já adaptado para Portugal), que permite a visualização em tempo real da situação pandémica mundial, capacitando os diferentes decisores dos diferentes países para tomarem medidas, com o conhecimento mundial da situação. Precisamos de ir mais longe no nosso país e ter acesso a mais dados, mais detalhados e em tempo real.

A libertação dos dados relevantes em tempo real e com a granularidade necessária no nosso país é urgente para que se compreenda o fenómeno e se antecipe o futuro, tirando partido dos cérebros brilhantes de que Portugal dispõe.

Situações excecionais exigem decisões excecionais. Para tal, necessitamos de líderes capazes de tomar as decisões que não apenas respondam aos desafios de hoje, mas que antecipem as necessidades do futuro.

Miguel de Castro Neto
Revista Smart Cities | 17 de março de 2020
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